Geórgia Amitrano
Geórgia é filósofa, feminista, doutora pela UFRJ e professora do Instituto de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia. Atua em filosofia contemporânea com temas como genocídios e terrorismo de Estado. Tem publicações sobre a condição humana e as várias excusões de sujeitos. Pesquisa e escreve também sobre gênero, com as questões do não-Ser mulher e a negação do corpo feminino.
Palestra: Mulher: um corpo exposto, um corpo imposto, um corpo negado
A história da filosofia, como uma história do mundo ocidental, tem uma trajetória de exclusão da mulher, seus saberes, seu corpo. Colocaram-nos em um patamar que cria indivíduos conceitualmente fracas, incapacitadas para uma realização moral mais ampla, circunscritas ao lar, aos estudos dos cuidados da beleza, em sentido fútil e, dentro de ainda muitas qualidades pouco valoradas, com corpos malignos. Desprezadas como criaturas dignas, nossa virtude se torna o silêncio, a escuridão, o encolhimento e a procriação. Do mito de Pandora, passando por Eva, Lilith e todas as heroínas ou anti-heroínas trágicas, ainda somos aquela criatura que tem como parte de seu existir a falta, uma carência, uma ausência de Ser. E a filosofia não refutou estes ditames. A Idade Média, a Escolástica, a tradição da Patrística, perpetuaram nossa negatividade e esqueceram até mesmo as utopias de inclusão, quer seja para o bem comum, quer seja para a manutenção de uma espécie humana única, como apregoaram Platão e Aristóteles. Destituídas de uma alma pura, criadas para, no lugar de um bem, despejarmos o mal, somos inscritas como as pecadoras que retiraram o homem do Paraíso. Restou-nos, então, sermos aquelas que Lúcifer bota fé, como nos versos de Tom Zé. Nosso corpo é maldito, nosso ventre pode gerar perdição. Tornaram-nos bruxas, amaldiçoadas, risíveis, aquelas cujo Ser não deve se pronunciar para além da castração, muito menos ter competência para além da reserva e servidão. E é como bruxa, a eterna feiticeira, que a história nos traduziu por mais de mil anos.